Resenha | Saulo Rodrigues de Carvalho *
Desconfie sempre de críticas muito elogiosas, elas podem representar duas coisas, ou a pessoa que leu não entendeu nada da obra, ou ela é um amigo muito próximo. No meu caso, podem ser as duas coisas ao mesmo tempo. Não sou um crítico literário, não tenho competência para isso, sou apenas uma pessoa que gosta de ler.
Ao ler Diários de um jornalista sem solução, vi que estava diante de um texto muito original. As frases concisas, o cotidiano cinzento, as personagens exageradas que parecem até de mentira, os sarcasmos das conversas, são sem sombras de dúvidas o melhor da obra. Me senti muito à vontade ao ler as crônicas-contos, que pareciam histórias separadas, mas na verdade se conversavam formando um todo.
Penso que a originalidade da obra esteja aí. Cada texto separado traz um entendimento único, mas a junção deles nos propicia uma nova interpretação da totalidade. São as aberturas, as lacunas deixadas, que dão o sentido da obra. Por alguns instantes, pensei comigo mesmo: o texto é bom, mas onde estão os temas verdadeiramente polêmicos? Os que desconstroem os sistemas de valores dos indivíduos? Até que me deparei com “A aparição de Deus” e na sequência com “Na rodô do plano piloto”, na minha visão os mais sarcásticos e bem construídos do livro.
É certo que o cenário que o autor produziu da Universidade é muito rico, mas que talvez o seu antiacademicismo se preocupe demais com a academia; é quando o Jornalista Sem Solução sai dele, dos problemas da academia, que a crônica ganha universalidade. É lógico que esse não é o objetivo da crônica, ela é o corriqueiro, os detalhes, o passageiro, mas quando o narrador-personagem atinge um símbolo, desfaz as seguranças, interpõe dúvidas nas pessoas, considero isso também uma universalidade, que a crônica pode atingir.
É verdade que toda originalidade tem suas influências e as do amigo Renato S. M. estão escancaradas a cada linha. As crônicas de Nelson Rodrigues tinham essa universalidade, de que falo: instigavam, riam, desconstruíam. O narrador-personagem de Diários de um jornalista sem solução não nega seu rodrigueanismo, tem até o seu próprio “canalha”. Mas, desculpe a minha sinceridade, amigo Renato, o seu canalha ainda carece de mais cinismo. Teve uma aparição rápida na história é verdade, mas se parecia com aqueles universitários despreocupados e despretensiosos, que falam pra si mesmos. Nós dois os conhecemos aos montes na UNESP de Bauru, eles não são canalhas, no máximo são idiotas, no sentido estrito da palavra “Idhios” – indivíduo privado.
Isso não tira de modo algum o seu mérito, seu rodrigueanismo, não está de fato no “canalha”, mas no deboche. O deboche daquele grupo de estudantes inseguros, protegidos pelo subsolo, de Brasília – uma capital interiorana, de deus que não sabe tudo… Por fim, sua obra tem um humor inteligente, uma crítica sutil e um estilo próprio.
* Saulo Rodrigues de Carvalho é professor do curso de Pedagogia na UNICENTRO – campus Guarapuava-PR e Doutor em Educação Escolar pela UNESP-Araraquara; o texto desta resenha foi escrito originalmente na forma de posfácio no livro Diários de um jornalista sem solução.
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Ficha Técnica:
Nome: Diários de um jornalista sem solução.
Autor: Renato S. M.
Editora: E-Liber.
Gênero: Literatura.
Número de Páginas: 262.
Ano de Publicação: 2020.
Formato: Pocket.
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(Crédito da imagem de destaque: Editora E-Liber)