Resenha | Tainara Quintana da Cunha*
Esfrego os olhos fechados contra a claridade da Lagoa ou Laguna dos Patos.
Antes de encontrá-los, a pele dos dedos se ofende com a aspereza dos grãos de areia que impedem a vista de se abrir para o sol do meio-dia, até alcançar a outra margem do rio, lago, lagoa, laguna dos Patos. A cidade do Rio Grande ou, a Província de São Pedro do Rio Grande, ou Big River, como queiram.
Vista daqui, a cidade do Rio Grande não é grande. Apenas um delineado de telhados e estruturas baixas à beira do mar grande ou grande mar. Diferente do Mar Grosso, localizado em São José do Nortchê, bom dizer. Cada banda da Lagoa com seu mar, e que assim seja!
Afasto sem sucesso, uma vez mais, a areia entranhada na roupa, na pele, nos cabelos, na alma! Peço licença ao periodista que primeiro noticiou este inóspito “cenário de mundo”. Embrenho-me em seus diários, na “boca pequena nortchense”, no sol abrasador que bate em cheio na hidroviária do lado de cá, e do lado de lá também!
Folheio as páginas avulsas. Encontro seu Levi jogando a rede na água. Levi, disse-me o periodista dos diários que agora vasculho, é senhor de 60 anos, vivido e versado nas coisas do mar e da vida.
Devaneio.
– O que pesca, Seu Levi?
– Tentando peixinho fresco pro moço ali.
Súbito, volto minha visão, ainda embaçada pela incômoda areia, para a direção em que aponta o dedo do experiente pescador. Afirmo a vista contra a excessiva claridade da terra árida pela falta de sombra fresca e, qual minha surpresa!
Um nativo com ares de forasteiro escreve com avidez, sentado à mesa da padaria. Assim como eu, outros curiosos espreitam a figura a partir da soleira do “Bar Grenal sem hífen”. Pergunto de quem se trata. Não sabem dizer. Tudo o que sabem é que chegou não se sabe vindo de onde, ninguém lhe sabe o nome ou a origem, pediu café e deixou por beber – talvez não estivesse ao seu gosto – e sentou a escrever.
Um daqueles sempre presentes no “Grenal sem hífen” afirma que bebeu uma Polar “estupidamente gelada” em companhia dele. Diz que escreve. Diz que escreve diários. Diz que andou embrenhado pelo Brasil, metido em manifestações e barulhos “In sampa”; e pela banda oriental del Río de la Plata dónde él saió después de um período en “Casa de recuperação para almas e corpos”.
Avisto seu Levi uma última vez com a rede pesada. De peixes? De mariscos? De histórias de pescador?
Na padaria a estranha figura não para de escrever. Está absorta.
De repente a claridade mais e mais intensa.
Uma súbita secura na boca. Abro os olhos e o sonho/delírio se evapora na hidroviária riograndina. Desço da lancha. Olho o Nortchê, na outra banda. Apenas um delineado de telhados e estruturas baixas à beira do mar grande ou grande mar. Percebo, então, que tudo não passou de um “Sonho Meu”.
* Tainara Quintana da Cunha é Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Membro do Conselho editorial da E-Liber. Dedica-se à escrita narrativa e arrisca uns versos simples.
Contato: tainaraquintana24@gmail.com
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Ficha técnica:
Nome: Um periodista em São José do Nortchê e outros casos.
Autor: Renato S. M.
Editora: E-Liber.
Número de Páginas: 240.
Ano de Publicação: 2021.
Formato: Pocket.
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