Daniel Baz: um cronista versátil

Resenha | Karine Brião

“Formas de fingir pássaros” é o título do segundo livro do escritor rio-grandino Daniel Baz, publicado pela Editora E-Liber, em formato pocket, no final de 2020. Em uma edição encantadora, trabalhada em azul celeste, costurada à mão, com capa e ilustração de capa belíssimas (de Eduarda Silveira e Daniela Delias), o escritor traz aos seus leitores uma apresentação e trinta e quatro crônicas encantadoras, publicadas inicialmente no extinto Jornal Agora da cidade de Rio Grande-RS, entre 2015 e 2020.

“Formas de fingir uma apresentação” é o título da apresentação do livro, na qual, o próprio cronista aborda, dentre outras possibilidades de leitura, o conceito do gênero crônica. Fazendo um trocadilho com o “poeta fingidor” de Fernando Pessoa, geralmente brincando com o leitor, através de linguagem poética e metafórica, Daniel apresenta suas escolhas de título e ofício: “Sou cronista por causa dos pássaros. Antes mesmo de escrever para o jornal, aprendi com eles a desatenção, atributo sem o qual as crônicas não existem. Ao ouvir o dobrar dos seus cantos, ao vê-los bicar sobras pelas calçadas, sobre os muros, dentro dos pátios, ao fitar suas complexas evoluções entre as nuvens, ou seus elegantes pousos nos fios da rede elétrica, descobri maneiras de virar a cabeça, de inclinar-me para cima e para baixo, de observar o chão fértil e o céu farto de minha terra.”.

Desde este primeiro trecho da apresentação, que lembra os pássaros e passarinhos dos grandes poetas Mario Quintana e Manoel de Barros, é possível observar alguns aspectos que irão acompanhar o leitor ao longo do livro, como a multiplicidade do foco narrativo e a preocupação com a palavra dita em todas as instâncias discursivas. O cronista, não apenas o escritor do jornal, mas o cidadão que circula por diversas esferas sociais, trocando de papel constantemente nas atitudes do dia a dia, presta atenção em toda forma de linguagem e gênero discursivo que surgem na sua rotina.

Há crônica que trata especificamente de gêneros literários (O banquete), há crônica que aborda uma ligação de telefone (Átila e eu), há outra que surge de uma expressão escrita em uma cédula de vinte reais (E viva o xou da Xuxa!!!), e há também aquelas que partem de gestos diários simples, mas significativos, que passam despercebidos pela maioria da população (O passinho e A criança que dança), mas que este cronista, aluno dos pássaros, aprendeu “virar a cabeça”, a olhar das mais variadas formas possíveis tudo que pode ser assunto para crônica.

Para dar conta de tanta versatilidade, assim como os grandes cronistas brasileiros, são vários os tipos de crônica que este escritor competente domina. Ora o gênero partilha elementos com a poesia, ora com o conto, seja através do monólogo, ou da alegoria, com uma pitada de fantástico, um pouquinho de insólito, e bom humor à vontade. É difícil escolher crônica preferida neste repertório que atende a todos os estados de espírito do leitor.

Daniel abusa de originalidade e bom humor, questiona e critica valores sociais, desde os mais triviais aos mais importantes. Pensa o gênero e sempre que é possível fala sobre literatura e artes em geral. Na maioria das crônicas o leitor poderá contemplar inúmeras referências a artistas e obras admiradas por ele e poderá se encantar com sua paixão dedicada à literatura, que pode surgir nos momentos mais inesperados.

Além dessas referências está presente na obra uma galeria imensa de nomes famosos, desde grandes nomes da história da humanidade de herança erudita até a cultura popular, músicos, pintores, políticos, atletas a famosos instantâneos. Num verdadeiro carnaval de nomes conhecidos que ganham sempre um significado peculiar nos processos de composição do escritor, que demonstra que sua “desatenção” não é tão desatenta assim.

O que está “na boca do povo” é assunto para suas crônicas, mas Daniel é formalista, e cada palavra tem um significado próprio nos seus textos. Seja o Bolsonaro, Damares, seja a Xuxa, Idílio, Kafka, Tom Jobim ou o próprio Daniel e sua amada esposa Lucilene (todos seres da vida real), são personagens-gente que agora possuem todo um mundo de palavras que lhes ressignifica os sentidos.

Outra questão importante com a qual o leitor irá se deparar ao longo do livro é o posicionamento político do escritor. Com uma visão esquerdista, o cronista transformado em personagem, e geralmente através do recurso do riso, critica e combate as decisões políticas do governo, sai em defesa de quem trabalha e de quem luta para viver durante o Brasil do golpe consolidado. Satiriza a figura presidencial com o melhor do humor à brasileira. Irônico e muito engraçado, Daniel soube retirar do nosso contexto atual o que tem de pior em matérias de notícias e transformar no melhor em matéria de literatura.

Este cronista versátil encantará desde os leitores iniciantes no gênero àqueles que admiram os grandes cronistas brasileiros, como Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Clarice Lispector, Luís Fernando Veríssimo, Fernando Sabino, João do Rio… não há como se decepcionar com as “formas de fingir pássaros” de Daniel Baz.

* Karine Brião é riograndina de nascimento e de coração. É professora de Língua Portuguesa e feminista em Encruzilhada do Sul-RS. Formou-se em Letras na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), onde também concluiu mestrado em História da Literatura em 2015. É mãe do Gabriel há 8 anos, de corpo e de coração. É noiva do Juliano. Apaixonada por dar aulas, por literatura e música brasileira e nas horas possíveis está sempre lendo, escrevendo, estudando, assistindo séries e falando mal do Bolsonaro.

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Ficha técnica:

Nome: Formas de fingir pássaros.

Autor: Daniel Baz.

Editora: E-Liber.

Número de Páginas: 282.

Ano de Publicação: 2021.

Formato: Pocket.

Para comprar a obra, clique aqui.

(Imagem de destaque: Editora E-Liber)

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