Resenha | Paulo Vitor Cruz *
Você não pode iniciar a leitura de Ubá – pojos e botecos sem compreender o significado da palavra pojo. Não me parece certo este texto apresentar a cidade ou contextualizar a atmosfera sugerida pelo título a respeito das peculiaridades de seus botequins, até porque a própria obra conseguirá fazer isso da melhor maneira possível. Agora, pojo é pojo, né? Sem o devido esclarecimento sua leitura talvez não consiga perceber o quanto há de profundidade nas crônicas do admirável prosador Renato S. M..
Há um universo paralelo onde a realidade interiorana acontece. Para algumas delas, é fundamental encontrar a porta de entrada e a devida chave. Aqui, pojo é a chave. Tentarei ser didático para colaborar com os não iniciados. Tudo bem?
Pojo: substantivo masculino inventado por não se sabe quem, nem quando, nem como, para traduzir o sentimento de bom humor que inebria e embriaga; coisa divertida que não se define e todo mundo entende; estado verdadeiro de caótico entendimento e pacífica compreensão; purificação concedida ao outro de tal forma que instintiva e inevitavelmente causa efeito em si mesmo; sentimento benevolente que não lhe pertence, visto que é parte de um todo; aquilo que só se tem quando merece; rir até se mijar; costuma-se dar pojo sempre que alguém entra num bar, bebe, lembra e/ou vive boas histórias; há pessoas que são um pojo só; gosto; graça; tempero; borogodó; terra de ninguém; estar com quem se gosta em um momento de inquietação e euforia; patrimônio imaterial ainda não reconhecido do linguajar ubaense; vocábulo incógnito fora da localidade, por se tratar de código secreto do que é ser e estar na Cidade Carinho; diz-se de quem ou para quem a vida, por ao menos um momento, ficou mais leve; tudo isso e, ao mesmo tempo, nada disso; bom momento puro e simples; o sentido da falta de sentido da vida; a própria vida.
Aviso aos navegantes: não tente pojar, ou errará o alvo. Tampouco aguarde o pojo materializado, pois é a espera sem fruto. Toda e qualquer matéria é pobre demais para personificar o que é deleite. Percebe? Indefinição só há se você, prezado leitor, não estiver disposto a reconhecer que algumas significâncias não acontecem no campo da razão, necessitam de certa “quebra de pernas” sensorial. Mas eu confio na sua disposição, assim como confio na lembrança que me ocorre agora de que certa vez li em um livro que Mário de Andrade disse algo como “os medíocres escorregam, os bons quebram a perna”. Que Deus me perdoe se me equivoco com a citação, mas isso não é importante agora. Vê? Dar pojo é como e quando se quebra a perna. Quando essa lembrança vem servida como acompanhamento e, por coisa dessas que acontecem, transforma-se em valorosa companhia. E melhora. E já pode correr. E vai brincar.
Ubá – pojos e botecos é um convite para essa quebra audaciosa no enfrentamento do cotidiano. Dentro dos bares e prosas capturados por Renato, percebemos uma cidade que parece existir em dessintonia com sua história, embora seja incondicionalmente toda ela. E por falar em prosa, como não se sentar à mesa um pouco e bebericar cada cerveja? Há sabores que o corpo não assimilaria por completo sem a ajuda da alma. Sabores como os das páginas que virão após meu breve testemunho, tingidas com a sutileza de quem detém poderes mágicos suficientes para tornar-se amigo do peito da gente sem ter nos visto sequer uma vez. A partir de agora virar a página é aceitar o convite. Só não vale escorregar…
* Paulo Vitor Cruz, de Ubá-MG, da música, da poesia, da conversa sentada no chão, do que sente, do que falha, do que não faz sentido, do que encharca, do que chacoalha, do que teme e enfrenta e toma e afronta, da lua, da alma, o amor; o texto desta resenha foi publicado originalmente como prefácio do livro Ubá – pojos e botecos.
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Ficha técnica:
Nome: Ubá – pojos e botecos.
Autoria: Renato S. M..
Editora: E-Liber.
Número de Páginas: 178.
Ano de Publicação: 2021.
Formato: Pocket.
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