Resenha | Renato S. M. *
Em Meus preferidos, destaco uma seleção de histórias contadas e revisitadas por mim. São dez textos escolhidos em um universo de quase cem escritos, com os quais mantenho afeto incondicional. Embora eu seja suspeito para dizer, o livro traz também o que há de melhor em minhas primeiras experiências literárias. Os amigos Renato Machado Domingues e Tainara Quintana da Cunha, revisores e editores nesta edição, podem eventualmente me desmentir.
Com capa da artista visual Aline Gabriel, a publicação reúne textos publicados nos livros: Diários de um jornalista sem solução, Um periodista em São José do Nortchê e outros casos, A Namoradinha de Tarumã e outras histórias e Ubá – pojos e botecos, além de uma participação na coletânea Quatro cantos em contos e crônicas do Brasil, todos lançados pela Editora E-Liber.
Na história de abertura, temos o que chamo de acaso dos acasos. Escrevi o texto em 2011, quando residia em Fraiburgo, SC. Eu era ali correspondente de um jornal regional com sede no município vizinho de Videira. O B. O. relatado na crônica-conto de fato ocorreu. “Fino como uma agulha” passou anos quase esquecido dentro de uma gaveta. Eu o resgatei para Quatro cantos e, após dezenas de revisões, ganhou nova vida.
“Quando a multidão dá nome ao artista” é uma crônica de 2016, gestada para um livro que se chamaria In Sampa. Ocupado com uma tese de doutorado, não consegui escrever o suficiente para o livro. In Sampa viraria subtítulo de Um periodista. A crônica registra um dos momentos mais felizes que vivi em um show musical, ocorrido no bairro da Barra Funda, em São Paulo.
Na sequência, vem “O homem que entrou para a ficção”. Uma das antigas, senão a mais antiga história desta coletânea. Até hoje não sei precisar se é de 2004 ou 2005. Foi resgatada da gaveta para sair em A Namoradinha de Tarumã. Falo de um conto que me comove bastante, porque o escrevi influenciado pelas leituras e releituras de crônicas, memórias e confissões de Nelson Rodrigues. Não faço cena, já cheguei a dormir abraçado com um exemplar de A cabra vadia.
A quarta história poderia ser o título desta publicação, num ato de desesperada publicidade. Deus, realmente, dá audiência. Mas preferi não usar o seu nome em vão, por isso “A aparição de Deus” ganha citação a partir do sumário. Digo que falei com a Força Maior diretamente de Brasília, no ano de 2012. Com o perdão do trocadilho, um de “meus preferidos”? Emprestado de Diários de um jornalista sem solução, o conto da transcrição de minha conversa com Deus num templo ecumênico – aqui pela primeira vez eu confesso de público – veio para dar uma resposta a todos que me cerca(va)m ou me tenta(va)m com a pergunta categórica: “Você acredita em Deus?”.
Quando pisei no Bar do Ricardo, em meados de 2018, não imaginaria encontrar um grande personagem e um cenário rico para fabulações. Localizado ao lado da Praça Guido Marlière, no município de Ubá, MG, o boteco deu vida a Ricardote em Ubá – pojos e botecos. Outro de muitos momentos curiosos e felizes que vivi praticando literatura de testemunho, na terra dos mestres da canção popular brasileira Nelson Ned e Ary Barroso.
O caso de “O time do centroavante que não fazia gol”. Meu amigo Vadinha é a estrela querida deste caso rememorado de futebol tarumaense. Mais do que contada, esta história vivida em minha cidade natal não sai de dentro de mim até hoje. Idos de 2006. Havia acabado de me formar em Jornalismo em Bauru. De volta à Tarumã, abriria um blog que em pouco tempo morreria sem publicidade e sem audiência numa página da Internet, o Alô Alô Repórter.
Em “Uma sensação de sonho próprio”, testemunho uma disputada partida de sinuca. Travestido de periodista, noto-me numa das bandas da Lagoa dos Patos, mais especificamente num fantasiado ponto de São José do Nortchê. De lá, narramos um duelo de pano verde, entre Ex-açougueiro e Marrento. Dou palha de um cenário de mundo, onde quase todos os personagens são pescadores, conversadores de um cotidiano sem limites para a imaginação.
No conto-crônica “O dia em que Brasília foi apresentada a (mais) um canalha”, celebro a imagem de um amigo do interior de São Paulo e a própria Capital Federal. Então residente na cidade satélite Núcleo Bandeirante, eu visitava Brasília todos os dias. Saudosa passagem pelo cerrado planaltino, onde colecionei personagens para o elenco de Diários de um jornalista sem solução.
A penúltima de nossas histórias narra um caso curioso de escatologia humana. Falo difícil aqui de propósito, para não dar spoiler de um episódio extraído de um misterioso boteco de Ubá. “Entre o inusitado e uma fé desejada” ou “entre goles de cerveja e visita a um mictório”.
O fechamento de nossa coletânea fica por conta de “Uma panorâmica de pretensos recuperáveis”. Após uma temporada de histórias vividas em São José do Nortchê, Jose Mochila se transforma em Mochilowski e acaba sendo levado pelo destino à uma Casa de recuperação para almas e corpos, lugar de geografia alterosa onde internos possuem a cara do Morissey, ex-The Smiths, “e usam gel azul em excesso, camisas pretas, tênis pretos, batons pretos” etc.
Com estima e consideração,
Renato S. M.
Caloraum citi, 26 de junho de 2022
* Renato S. M. se diz escritor e admirador das obras de Fiódor Dostoiévski e interessado em ditos autores malditos e marginais. É jornalista, professor, editor e pesquisador em Literatura.
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Ficha Técnica:
Nome: Meus preferidos.
Autor: Renato S. M. .
Editora: E-Liber.
Gênero: Crônicas, Contos.
Número de Páginas: 158.
Ano de Publicação: 2022.
Formato: Pocket.
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