Diários de leitora | Natacha Alana *
Nesta coluna publicada originalmente no blog E-Liber, cada participante registra – em poucos caracteres – um de seus diários de leitura, quase leitura e não leitura.
Leitura. Sidarta, de Hermann Hesse, influenciada por uma ilustração indiana na capa a qual me remete diretamente às do Kama Sutra. Comprei novinho, em livraria fina e embrulhado em papel fino. Diferentemente do que induz Kama Sutra, este exemplar tá aqui intacto, comprei só para fazer pose na estante, já o que li comprei numa kombi quebrada/sebo aqui da quadra quando era uma mocinha, todo arrebentado, pensei se tratar de budismo. Eita bichinha tapada! Ganhei inquietação. Deixei numa parada de ônibus.
Quase leitura. São Bernardo, de Graciliano Ramos, comprei na kombi quebrada/sebo, tá todinho cheio de anotações, coisa linda! Tá vivo! Foi um livro usado, bem usado. São Bernardo apareceu na casa de meu pai, ninguém sabe como. Apareceu por si só. Furtei. Tenho dois deste livro, é dum egoísmo manter dois exemplares só para mim? Sim. Mas os tenho, o de sebo as anotações e o grifo nos dizeres do autor “a palavra foi feita para dizer” me desconcentram. O furtado: a ideia de ter sido algum espírito alagoano raivoso que o colocou na casa de meu pai, me desconcentra. Pretendo ler sob uso de algum ansiolítico, quiçá chá de capim-santo.
Não leitura. Nunca. Jamais, nem fodendo! Nunca. Macunaíma, de Mário Andrade. É duma vergonha uma pessoa brasileira adulta nunca ter lido tal obra? Sim, eu acho vergonhoso. Tá na lista que meu tio me fez. O leitor mais assíduo que esta terra conheceu, mais apaixonado e devoto, leu Hesse demais e Rosa de menos. A doença do álcool o levou. É o único livro que falta para matar a lista, já gasto e sujo que me traz lembranças de uma voz mansa dizendo: “Na, você sabia que tá em Guerra e Paz?”. Deixei Guerra e Paz numa parada de ônibus.
* Natacha Alana. Contista, também escreve peças processuais; nasceu no Distrito Federal, na dita terra vermelha e sob sol franco.
@natachaalana
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