Resenha | Tainara Quintana da Cunha *
Entre os vinte e cinco homens espremidos no cubículo e as oito pessoas que ali mal cabem só os vermes testemunham o inútil pranto e inútil canto dos anjos caídos. Anjos caídos “Em Osasco”, primeiro dos três contos-crônicas do livro. Legião de lúcifers cujo pecado original consiste em afrontar a aparente serenidade dos pacatos cidadãos contribuintes.
Cidadãos contribuintes, digníssimos homens brancos que pagam seus impostos. Os mesmos que deitam aguardente às secas bocas indígenas “Que perderam os fundamentos” das tradições milenares. A aparente e cruel serenidade dos contribuintes não passa despercebida ao escritor Plínio Marcos neste Inútil pranto e inútil canto pelos anjos caídos (1977) reeditado, em 2020, na versão pocket pela E-Liber, com nota do editor Renato S. M.
Os textos que compõem o livro apresentam não só personagens marginalizados entre presidiários, índios, moradores da periferia a revelar olhares secos e desiludidos, secos “como o olhar de um corpo sem alma”. Para além, Plínio Marcos – também ele escritor marginal e marginalizado – desfere palavras cruéis e as atira como pedras. Tão cruéis quanto a condição desumana daqueles homens-anjos “de almas estupradas”, condenados a cair, definhar e apodrecer no desespero de estarem num cubículo imundo.
“Eram vinte e cinco homens empilhados, espremidos e esmagados de corpo e alma, num cubículo onde mal cabiam oito pessoas.” A frase dita e repetida à exaustão no texto que dá nome ao livro ecoa para além da obra. Afronta os doces sentimentos daqueles cuja benevolência é espessa cortina de mal disfarçada crueldade.
Nesses “tempos secos” onde secos olhares não hesitam em encurralar homens-meninos “Nas voltas da bola e da boleta”, entre a sujidade das coisas do mundo e a própria infecção que brota de si, Inútil canto e inútil pranto pelos anjos caídos mostra a putrefação vista por dentro. O humano em estado fétido onde só os vermes têm vida livre, se os vermes sobreviverem a isso que chamamos humanidade.
* Tainara Quintana da Cunha é Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Membro do Conselho editorial da E-Liber. Dedica-se à escrita narrativa e arrisca uns versos simples.
Contato: tainaraquintana24@gmail.com
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Ficha técnica:
Nome: Inútil Canto e inútil Pranto pelos Anjos caídos.
Autor: Plínio Marcos.
Editora: E-Liber.
Gênero: Literatura.
Número de Páginas: 162.
Ano de Publicação: 2020.
Formato: Pocket.
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